Corpo-Texto
Na contra-mão de todos os meus sonhos
Um acidente e me colidi
Na contramão de todos os meus sonhos
Por pouco, um triz, não escapo
Da contra mão de todos os meus sonhos
Um relance
E foram meus olhos retrovisores a delatar
Na contramão de todos os meus sonhos
E não haveria socorro possível que resgatasse
Todos os meus sonhos de contramão
Foi um instante, um suspiro
Uma prece e uma pressa
De meus sonhos todos
E um acidente, um desvio, na contramão
Lançou-me a própria alma contra todos os meus sonhos
Eu, de passagem, nem perceberia,
não fossem meus olhos delatores, retrovisores,
Nem perceberia
Que tinha sido eu a assassinar todos os meus sonhos,
Atropelados na contra mão
E os mesmos olhos, retroativos de passagem, enxergaram os restos, voadores,
de todos os meus sonhos espatifados de contra mão
Na contramão de todos os meus sonhos
E os mesmos olhos enxaguaram-me os remorsos
Enxugando-se na velocidade terminal da estrada
da contramão de todos os meus sonhos
Os mesmos olhos
Testemunharam um adeus aos restos sonhadores que se espalhavam, etéreos
E seriam eternos às memórias, enterrados em aberto
na contramão de todos os meus sonhos
E se eu tivesse apenas percebido, de antemão, todos os meus sonhos,
apenas tivesse notado que era eu mesmo, desatendo de estada,
Acenando,
Assinando o assassinato de todos os meus sonhos
Se tivesse apenas nunca descuidado o volante,
Não haveria atropelado a alma
Na contra mão de todos os meus sonhos
E era tarde
Tarde demais...
No dia em que voaram-se, um a um,
na paz plena que só os finais conseguem ter:
de tarde, de vida, histórias, estradas
Na contramão, todos os meus sonhos...
Ilustrações: Maria Lucia Nardy